QUANTO VALE SEU TRABALHO? – DOULA
Tem gente que me pergunta: “Nossa, como você pode ser doula se ainda não pariu?” ou “Como vai entender de amamentação se não tem filhos e não amamentou?” Engraçado que ninguém se importa que, muito provavelmente, o ginecologista obstetra homem (cis) que atende partos e o pediatra homem (cis) que acompanha amamentação nos bebês não pariram e nem amamentaram, né? Isso nos mostra o desconhecimento que a sociedade ainda tem sobre o trabalho das doulas e consultoras de amamentação.
Assim começou o relato da Gabriela Torrezani, 29 anos, que em 2015 teve seu primeiro contato com tema sobre parto humanizado. Diante do nosso contexto social, onde o parto está tão desvalorizado é preciso ainda travar muitas lutas para que mulheres possam ter suas escolhas respeitadas e poderem de verdade protagonizar seus partos. Confira, abaixo, o relato da profissional de áudio visual, Co-fundadora do Estrangeiras e agora Doula.
.Um belo dia, em 2015, caiu na minha timeline do Facebook uma matéria sobre parto humanizado e a atuação das doulas. Eu não fazia ideia do que essa palavra “doula” significava, como talvez muitos de vocês também não saibam, e cliquei na matéria para matar a curiosidade.
Um verdadeiro portal se abriu nesse momento e eu nunca mais fui a mesma. Passei a pesquisar muito sobre o tema, seguia todas as páginas e sites de parto humanizado e percebi que aquilo era um chamado. Sem ter filhos ou crianças próximas, decidi que mudaria de profissão. Aos poucos fui estudando, fazendo cursos e comecei a trabalhar como Doula. A minha profissão antiga, Produtora Audiovisual, não morreu completamente, mas hoje divide espaço com os partos e consultas de amamentação.
Muita gente acha que a doula só serve para quem quer um parto natural, em casa, embaixo da jaqueira. E isso não é verdade. A doula é essencial em todos os locais e tipos de parto! Parto em casa, no hospital, com anestesia, sem anestesia, na banheira, na banqueta, no chão, na maca, cesárea… Parto humanizado é o tipo de assistência, não a via de parto.
A Doula é uma profissional que acompanha os processos de gestação, parto, pós parto e amamentação de pessoas gestantes, seus parceiros e familiares próximos. A ideia é que o acompanhamento seja humanizado, o que quer dizer: respeitando a autonomia da gestante sobre seu corpo e suas escolhas.
As doulas tem um papel muito importante na gestação, para trazer informações das evidências científicas atualizadas para que as clientes possam tomar cada decisão de maneira informada e muito consciente. Falamos da realidade obstétrica do país, discutimos materiais diversos e alternativas. Nessa fase cria-se o plano de parto, documento fundamental para registrar os desejos da gestante.
Na hora H, utilizamos métodos não farmacológicos para alívio da dor, técnicas de respiração, criamos o espaço mais seguro e confortável possível para que os protagonistas do parto possam viver o processo da melhor forma possível. Seguramos a mão, entramos de cabeça no processo, damos água e bebida na boca, cuidamos dos filhos mais velhos, a atuação é infinita. E no pós parto, também auxiliamos essa transição para o puerpério e as doulas que são também consultoras de amamentação, como eu, auxiliam no estabelecimento da amamentação efetiva e sem dor, se esse for o desejo da cliente.
É uma profissão linda, ver um bebê nascer de maneira respeitável é transformador e um privilégio imenso. Eu amo o que faço, mas acho essencial não romantizar, por isso também quero falar das dificuldades de ser doula no Brasil. Em primeiro lugar, a doulagem não é considerada uma profissão, e sim uma ocupação. Isso dificulta algumas coisas como, por exemplo, a legislação sobre a formação de doulas. Felizmente, já avançamos muito e em diversos estados do país existe a Lei das Doulas que diz que nenhum hospital ou casa de parto pode proibir a presença de doulas acompanhando partos. Mas, em outros locais, isso ainda é uma luta.
A maior dificuldade da profissão é a remuneração. Já ouvi muito que “doulas fazem isso por amor” e que, portanto, deveríamos trabalhar de graça ou por um valor simbólico. Isso é absurdo! É claro que há muito amor envolvido na nossa atuação, mas até onde eu sei amor não paga contas. E doula também tem aluguel, condomínio, água, luz, comida, lazer e muuuitas outras contas para pagar!
O preço que uma doula cobra pelos pacotes de seu serviços varia muito, dependendo da cidade em que atuam e do que oferecem em cada pacote. Uma doula iniciante cobra bem menos do que uma doula experiente e famosa, o que é normal em quase todas as profissões. Em São Paulo, esse valor pode ir de R$1.000 a R$3.000. Os valores podem parecer altos, mas há várias coisas que devemos levar em consideração:
1. A maioria das doulas trabalha com parcelamentos e condições muito especiais e flexíveis para cada cliente. Sabemos que toda mulher merece uma doula e fazemos o possível para que você possa ter a sua.
2. Esse preço inclui: todas as visitas pré-parto (eu faço 3 visitas, de 2 a 3 horas cada) o tempo que vai durar o parto (O parto mais curto que acompanhei durou 2 horas e o mais longo durou 47 horas) a visita pós-parto/amamentação. Todos os dias da disponibilidade, como assim? Vou explicar: quando você contrata uma doula, ela fica de guarda para você, 24 horas, do primeiro dia da semana 37, quando começa o “termo da gestação” até o bebê nascer (ele pode nascer na própria semana 37 ou na 38, 39, 40, 41 ou até 42), isso significa que, talvez, sua doula fique 5 semanas totalmente, disponível, inclusive de madrugada. Nesse período você pode ligar ou mandar mensagem para ela para tirar dúvidas, falar de novidades no corpo, alarmes falsos ou verdadeiros ou só para conversar porque a ansiedade que bate na reta final é jogo duro.
Por isso, uma doula não consegue ter dezenas de clientes ao mesmo tempo, é impossível planejar. Eu mesma não pego mais de 3 clientes por mês, porque a chance de encavalar parto aumenta e a vida fica uma loucura. Somando agora tudo isso, ainda acha caro? Ou acha que o valor é justo, até baixo?
Além disso, é muito importante ressaltar que quase todas as doulas que conheço fazem trabalho voluntário para pessoas de baixa renda que realmente não podem pagar, ou cobram valores simbólicos dessas pessoas. Se eu começo a dar desconto para todas as mulheres que podem pagar, então não terei como atender às que não podem. Entende como tudo isso é uma rede?
Felizmente eu adoro o que faço e uma das partes mais legais de ser doula é entrar em contato com tanta família incrível. As mulheres me ensinam muito a cada parto acompanhado. E eu tive sorte, sempre encontrei clientes parecidas comigo, ou que praticavam o respeito mútuo. Por isso o fato de eu ser doula sem ter tido filhos ou ser LGBTQ (coisas que nunca escondo) jamais foram um problema com as pessoas que acompanhei, apesar de, às vezes, ouvirmos críticas sobre isso na internet. O que importa é o mundo real, né?
Se você tem o desejo de ser doula, siga o seu coração! Precisamos de muitas doulas para lutar ao nosso lado e fornecer uma experiência de parto mais positiva para as mães, pais e bebês desse país. Vá atrás de cursos de formação de doulas na sua cidade, ainda que existam cursos online, o ideal é fazer um curso presencial, pois a parte prática é insubstituível. Então, espere a pandemia passar, tá?
Saiba que você nunca vai parar de estudar e nem de se indignar com o sistema obstétrico brasileiro. Mas tudo isso é o fogo que nos impulsiona para frente.
Eu tenho muita vontade de ter filhos, e passar pela gestação e um parto humanizado é meu sonho. Com certeza terei uma doula para chamar de minha quando esse momento chegar! 🙂