A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NA ARGENTINA E SUA IMPORTÂNCIA PARA O MUNDO
A América Latina é um terreno hostil para os defensores dos direitos ao aborto e muitas brasileiras, inclusive, procuram o procedimento nos poucos países vizinhos que legalizaram a prática. Embora ainda estejamos longe de dar esse passo por motivos religiosos, a vitória da Argentina significa um avanço não só para aquela sociedade, mas no geral.
Como mulher, é importante saber que eu tenho o direito de escolha garantido. Muitas mulheres morrem em procedimentos clandestinos e não contam com apoio da família ou do Governo.
A legalização é uma abertura para muitos outros debates que o presidente Alberto Fernández, um crítico das leis tradicionais da Argentina que restringiam o aborto, vem levantando como igualdade de gênero e direitos de gays e transgêneros.
O declínio do apoio ao papel da religião no governo, bem como o crescente poder dos ativistas pelos direitos das mulheres, contribuíram para essa conquista. E agora as mulheres na Argentina que teriam feito abortos independentemente da legalidade não enfrentarão mais complicações desnecessárias por falta de acesso a profissionais de medicina ou medo de serem processadas.
De acordo com a BBC, um mínimo de 350.000 abortos ilegais ocorriam anualmente na Argentina, um número que alguns grupos ativistas acreditam estar subestimando a realidade. Os abortos ilegais podem levar a complicações de saúde e até mesmo à morte das pessoas que os sofrem – a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 13,2% das mortes maternas em todo o mundo podem ser atribuídas a abortos inseguros.
Embora a Argentina ainda seja um país pautado pelo catolicismo, nem mesmo os comentários do Papa Francisco contra a legalização do aborto tiveram um efeito esmagador no resultado desta votação. O líder católico mundial, que nasceu e trabalhou na Argentina por grande parte de sua vida, se referiu ao aborto como parte de uma “cultura do descarte” e enraizou sua oposição ao procedimento médico como sendo baseado na ciência.
Por que homens ainda estão decidindo sobre nosso direito ao aborto?
Nós, mulheres, abortamos. É nosso corpo que sofre os efeitos e causas de uma gravidez e são nossas as experiências que deveriam ser reconhecidas no debate sobre a construção desse direito como questão social e de autonomia. Ter direito ao aborto é ter o direito de decidir sobre nosso destino e nossos projetos de vida. Um homem cisgênero jamais vai poder abortar, porque ele nunca vai engravidar.
Ao nos depararmos com uma gravidez indesejada, a reflexão que muitas mulheres fazem considera não apenas os planos para o futuro, mas também as condições efetivas – objetivas ou subjetivas – de levar a gestação adiante. Quem afirma que uma mulher a favor do aborto tem uma visão egoísta, não considera que toda decisão sempre enfrenta a barreira de dinâmicas capitalistas, racistas e heteronormativas, que desconsideram todo contexto social/psicológico em que a mulher está inserida e acaba impondo ritmos que atropelam expectativas e enfraquecem a possibilidade de controlarmos nossas vidas e desejos.
A legalização é um passo importante e dá esperança para muitas mulheres que possuem desde uma gravidez resultante de abuso, aquelas que enfrentam problemas médicos e situações de risco. É uma vitória para sociedade.