QUANTO VALE SEU TRABALHO? – VETERINÁRIA

Hoje a história que vamos contar é da Médica Veterinária, Sara Osório, a profissional que lida com a saúde e o bem-estar dos animais. Se você não sabe essa área de atuação requer muito estudo e oferece cerca de 80 possibilidades de especialização.
Apesar de ser uma das profissões mais importantes, é tem contrapartida é também uma das mais desvalorizadas, enfrentando muitas vezes a falta de recursos financeiros e a existência de inúmeros dilemas éticos e morais
Confira abaixo, o relato da veterinária e zootecnista formada na Colômbia e que hoje atua trabalhando na Espanha.
Desde que me lembro, queria ser veterinária. Na verdade, lembro-me de minha irmã mais velha (Carolina) me dizendo que uma vez ela me viu em uma tentativa frustrada de fazer o que parecia ser ressuscitação (PCR) em um rato que apareceu morto ao lado de uma grande mangueira que estava na casa da minha avó materna. E claro, ainda tenho lampejos de memórias da minha infância, nas quais sempre quis estar envolvida na limpeza de qualquer ferida de gatos ou cachorros com os quais cresci em casa.
Consegui iniciar o meu sonho e no primeiro ano da faculdade geralmente são feitas várias perguntas a você, como por que está estudando essa carreira? Por que você quer ser veterinária? Ouvi respostas de todos os tipos, a maioria delas limitadas a dizer que o motivo principal era “amor e gosto pelos animais”. Eu mesma sem ter conhecimento técnico, respondi que me interessava pela fisiologia e patologia felina, e me empolgava só com o fato de imaginar poder diagnosticar um animal (o que pensei e ainda me parece tremendamente difícil). A verdade é que há uma gama de respostas para essas perguntas, mas as que seus professores não vão querer ouvir são aquelas que se referem apenas ao amor pelos animais; porque sim das 60 pessoas que conseguiram entrar na corrida, apenas 25 de nós continuamos após 6 meses de salas de aula e tardes no anfiteatro dissecando cadáveres, e foi lá que as 35 pessoas restantes além de terem “corações”, deveriam ter estômagos.
Pude sentir que tenho o direito de dizer que os veterinários “nascem e não se fazem”, sem obviamente deixar de lado a constante construção ao nível pessoal, acadêmico e profissional que implica assumir a função. Um papel na sociedade que para muitas crianças e adultos consiste em observar-se vestido como se fosse um novo tipo de super-herói, aquele que geralmente se veste com um robe, botas, um estetoscópio e anda pelo mundo salvando todo tipo de animais indefesos ou feridos.
Como num relacionamento, aprendi que para ser veterinária não é preciso apenas “amor e gosto por animais”, é preciso mais, uma mistura de coragem, curiosidade, força, intuição e claro, paixão. Porque a verdade é que nem todo mundo que se dedicar à saúde e tem condições de receber uma consulta. Além de várias patologias; pacientes queimados, mutilados e em inúmeras ocasiões vítimas de violência-vandalismo, maus-tratos e outras situações que requerem, além de “estômago duro”, vocação. Na medicina animal, um acréscimo que dificulta a prática é a incapacidade dos animais em comunicar verbalmente a dor, por isso “seu dono” torna-se um instrumento essencial para o diagnóstico, pois depende dele que uma boa anamnese seja desenvolvida, cujo objetivo é chegar a um diagnóstico preciso, por meio da coleta de informações.

Consequentemente, para se chegar ao diagnóstico e no menor tempo possível, são necessárias ferramentas de qualidade, tanto recursos humanos quanto materiais (equipamentos, instrumentação, medicamentos) e não há diferença entre os equipamentos diagnósticos utilizados na medicina humana e os utilizados na medicina veterinária, ou sim? Alguns até precisam de adaptações especiais (como equipamentos de raios-X), portanto, os tornam mais caros. Nesse contexto, como veterinários, é comum ouvir “médico / ajudar meu animal de estimação” e na mesma frase “por que tão caro?”. Um paradoxo total, já que a responsabilidade pela posse de animais leva a assumir despesas médicas em nossos animais de companhia.
Não há muita diferença ao nível da fazenda, na minha área, por exemplo, que é bem-estar animal, a gente enfrenta uma situação parecida. Cada vez mais ouvimos a crescente preocupação da sociedade com o tratamento dispensado aos animais, isso exige cuidados e práticas que protejam o animal independentemente da forma como sua vida produtiva se desenvolve. Mas tudo isso custa dinheiro, tempo e conhecimento, e quando é feita uma análise dos custos que impactariam no produto final (carne, ovos, leite, etc.) a disposição dos consumidores em pagar pelo aumento desse preço, existem reações desanimadoras.
Como em qualquer empresa ou negócio, na medicina veterinária os investimentos devem ser feitos, e os mais caros são os equipamentos de diagnóstico. Com um prazo aproximado de 5 anos e um custo de investimento em equipamentos da ordem dos 15.000 euros, seria efetuada a amortização dos mesmos. Sem falar que no dia a dia existem gastos com energia, água, internet, mão de obra, etc.
Ser veterinário não só é difícil pelo fato de diagnosticar com base em miados, graves ou grasnidos, é difícil porque culturalmente a profissão está degradada, por falta de percepção social da medicina, falta de informação, desconhecimento. Poderíamos atribuir essa percepção à história? Para nossa cultura? Ou talvez para a educação? São perguntas que você normalmente se pergunta quando começa a trabalhar e encontra donos de animais que te apontam e julgam por cobrar pelo tratamento de nossos pacientes, ou muitas vezes por exigir uma consulta gratuita porque é nosso “dever e vocação”.
Dando um rápido olhar para a história analisando a relação homem-animal, encontramos a preocupação com a saúde e o cuidado dos animais, remontando às origens da pecuária, pois o homem precisava se alimentar e para isso evitava comer animais doentes, ou que o animal morreu antes de ser necessário para comer; por outro lado, afirma-se que o bem-estar animal era a base para a domesticação dos animais, pois sem essa prática seria impossível manter os animais próximos às pessoas sem o uso de cercas ou gaiolas. E uma das características mais importantes nesta relação entre os animais e as pessoas, e que continua a ser mantida, é a do apoio ao trabalho de força, à caça, à companhia, ao lazer. Em cada situação existe uma semelhança, vemos que os animais são aproveitados tanto emocionalmente quanto economicamente.
Ao longo do meu trabalho e experiência de vida pude perceber diferenças marcantes na valorização da minha profissão, entre a Colômbia (meu país de nascimento) e a Espanha/Europa (onde cresci e atualmente resido). É evidente que a situação educacional e econômica de um país tem um impacto profundo no comportamento social e na escolha de prioridades. Em países como a Alemanha e a Holanda, por exemplo, a medicina veterinária é uma das profissões mais bem pagas e mais valorizadas, o status social mudou radicalmente ao expressar que você é um veterinário, é como se você sentisse que eles olham para você com mais respeito.
É verdade que evoluímos muito em termos de percepção dos animais, e pelo menos eles não são considerados “coisas”, mas sim “seres sencientes”. E é aqui que quero concluir sobre a percepção desanimadora quanto ao valor do trabalho na profissão veterinária. A história nos reflete aquela visão antropocêntrica e interessada que leva àquele duplo padrão em que os donos de animais adotam uma postura de rejeição aos custos dos tratamentos de seus animais de estimação.
Espero que como sociedade continuemos a desenvolver consciência, porque deve deixar de nos observar como almas caridosas, pois não é só o investimento material que fazemos, mas também o investimento acadêmico e sobretudo o investimento e dedicação no tempo de estudo (5 anos de carreira que podem variar entre países). A sociedade não percebe que somos médicos e que fazer um exame de urina, um hemograma, um ultrassom é caro. A maioria pensa que você quer rasgar o bolso, e o verdadeiro motivo é que você deve contar com análises e exames para descobrir o que seu animal de estimação tem e dar um tratamento assertivo.
É triste porque, muitas vezes, quando os donos expressam a impossibilidade de assumir as despesas em pacientes com patologias em que algum tipo de tratamento ainda é possível, há uma recusa em continuar a insistir no melhoramento do animal. E a isso se soma o mau hábito das pessoas de ignorar ou não dar atenção a enfermidades que começam de forma leve ou não acidental, pois a maioria dos casos clínicos em animais de estimação que chegam a uma consulta habitual, já são casos muito avançados.
A sociedade carece de mais consciência e compaixão, bem como um senso de responsabilidade que deveria ser óbvio de nossa posição em relação ao resto da espécie.